A São Devesa partiu.
Como recordar alguém que mal se conhece? Como incentivo para conhecer melhor quem cá fica.
Faço questão de registar aqui no diário “os interesses, os sonhos, os planos, as dúvidas, as experiências e a saudade”. A saudade. Mas nem sempre as palavras saiem como quero. Ou quando quero. Às vezes não saiem de todo, e é preciso esperar por elas. Saíram hoje.
A minha tia-avó Conceição, a "São Devesa", faleceu no passado dia 16 de Abril. Tinha 93 anos.
Nas exéquias dei por mim a flutuar entre memórias antigas, e a tentar entender como perdi a oportunidade de passar além da timidez e introversão daquela mulherzinha franzina e devota, que às escondidas oferecia uma bolacha, a mim e às restantes crianças das quais mal se distinguia.
Pouco ou nada falava, e pouco ou nada falavam dela. Uma personagem misteriosa. Daquelas que, atrás da cortina, observam o palco de ângulos que só podemos imaginar.
A vida afastou-nos e não me deixou conhecê-la melhor, ao contrário das irmãs Rosa e Amélia, com quem passei muitas tardes, em criança. Simplesmente porque moravam mais perto, ao pé de casa.
Agora só posso espreitar o seu mundo por interposta pessoa, mas não é a mesma coisa. Nunca será a mesma coisa.
Nem sei se sabia escrever! A avó Luz Devesa tirou a 4ª classe, sabe ler e escrever, mas pouco praticou qualquer uma das coisas, ao longo da vida. Gosta mais de conversar. Que escolaridade teria a tia São?
Ahh, se ela mantivesse um diário, que leitura não seria... Onde registasse amores, pensamentos, a fé e a saudade. Festas, desafios, e sonhos... sobre o que sonharia aquele anjo pequenino e frágil? Onde trabalhou?
Porque não tirei um Domingo para lhe mostrar como está a pequena? A ela e às irmãs Alice e Teresa, e ao irmão Manuel? Para conversarem com a Mónica, ("Sérgio, que mulher boa tu arranjaste!", dizia a saudosa Alice).
“Quem quer arranja maneira, que não quer arranja desculpa."
Falhei.
Talvez esta seja a melhor forma de a recordar, tia São: uma lição para não deixar outras velinhas partirem sem lhes perguntar coisas que valem a pena recordar. E coisas sobre si, que tenho tantas perguntas…
“Os meus pais nasceram em Mouquim, e acho que os meus avós também. Eu e os meus irmãos e irmãs nascemos em Mouquim.
Éramos caseiros na Quinta da Costa e fazíamos aquelas terras, mas como a família cresceu passaram a ser pequenas para nós: em 1939 viemos fazer uma quinta para o Louro, no lugar de Trescarreira. Nessa altura eramos o meu pai José e a minha mãe Angelina, e 12 filhos, Amélia, Alice, Conceição, Emília, Ernesto, Glória, Laurinda, Luz, Manuel, Maria, Rosa e Teresa. Era um tempo de muita pobreza.“
Tantas perguntas…
Até já, meu anjo, a esta hora a Lina já a recebeu, com todos os abraços e beijinhos que merece. Até já!