Queres enriquecer? Fala com o teu sapateiro.
Deambulações sobre disciplina e motivação, e o custo real do calçado.
Preâmbulo:
Esta não é uma publicação sobre moda, sobre calçado. Ou uma recomendação a um qualquer sapateiro em particular, (embora, como verão abaixo, se querem enriquecer devem visitá-lo regularmente).
Esta é uma publicação sobre escolhas. Sobre minimalismo. Sobre economia circular, ambiente e sustentabilidade.
Esta é uma publicação sobre o binómio preço/qualidade. Sobre fiabilidade. Sobre comprar pouco e bom, e fazê-lo durar, apesar de algumas utilizações menos ortodoxas ;).
Esta é uma publicação sobre custo de oportunidade. Sobre o que é possível fazer com o dinheiro que não se gastou, comparativamente a outras alternativas.
Os factos:
Sapatos Ecco Cross X Classic Tie Coffee comprados a 28/10/2017. Rondaram os 120€, se a memória não me falha.
Cerca de 4 anos de uso intensivo, sem reparações nem grande manutenção à parte da ensaboadela ocasional. A partir daí, reparações a cada 2 anos, sensivelmente, uma média de 10€ por cada intervenção:
Capas novas, graxa e sebo a 30/12/2021.
Capas novas, graxa e sebo a 28/03/2023.
Solas coladas, graxa e sebo, hoje. Estão com este aspecto:
São os sapatos de um minimalista, que caminhou extremamente confortável, quente e enxuto durante 8 anos, por 150€.
Ilações:
Vamos ser conservadores, e assumir que os Ecco duram 10 anos, (provavelmente durarão mais, manter-vos-ei informados). Vamos assumir reparações de 10€ a cada 2 anos, a partir do 5º ano de vida. Os custos com aquisição e reparação ascenderão a 150€ nesses 10 anos.
Chamemos a este cenário “mão-de-vaca”.
Agora vamos assumir que, por alguma razão que a minha lógica e personalidade não admitem, em vez de reparar os sapatos sempre que necessário, comprava um novo par por 120€1.
Como os sapatos duram cerca de 4 anos antes de necessitarem visita ao sapateiro, gastaria 3 pares de sapatos nesses 10 anos, ou seja, 360€. Chamemos a este cenário “normal”.
Como cenário final, ainda menos plausível, imaginem que eu adquiria um novo par de sapatos todos os anos, por 120€. Gastaria um total de 1200€ no mesmo período de 10 anos. Chamemos a este cenário “fashion”, porque “com um parafuso a menos” é demasiado comprido.
Eis a progressão de custos com sapatos, nos 3 cenários:
Já vos disse que o custo real das coisas não é o seu valor, mas sim o seu custo de oportunidade, mas isso só é verdade se essa oportunidade for aproveitada.
Esse é o erro de muita gente: não reserva o que poupa aqui, para investir ali. Quando é capaz de poupar aqui, não reserva esse dinheiro, não o investe, e acaba por gastá-lo acolá.
A explicação para isso é a falta de disciplina, a ausência de uma estratégia, a ausência de rotinas que criem uma espiral positiva na sua vida, sem que tenham que pensar no assunto2.
Quem não tem disciplina será sempre um escravo da motivação.
… e a motivação nem sempre aparece. Isto é particularmente importante na poupança e investimento, onde o tempo e a psicologia desempenham um papel fundamental na exponenciação do juro composto.
Mas, divirjo.
Vamos, portanto, investir a 10% ao ano3 o dinheiro poupado ao não comprar uns sapatos novos todos os anos, deduzido da despesa de reparar os sapatos sempre que necessário, ou substituí-los.
No primeiro ano, a despesa é a mesma para os 3 cenários: 120€ por um par de sapatos. Mas, nos anos seguintes, enquanto o Sérgio “fashion” continua a gastar 120€ por ano, o “mão-de-vaca” e o “normal” vão poupando e investindo essa poupança a 10%:
Ao fim de 10 anos, o “fashion” estourou 1200€ em sapatos. O “normal” e o “mão-de-vaca” teriam cerca de 1250€ e 1750€, respectivamente.
E ao fim de 30 anos, mantendo as mesmas premissas, (e o mesmo estilo de vida)? O “fashion” gastaria 3600€, o normal teria cerca de 15400€, e o “mão-de-vaca” teria cerca de 18000€:
Os 3 fizeram exactamente o mesmo esforço financeiro para caminharem de forma extremamente confortável, quentes e enxutos, durante 30 anos. Simplesmente caminharam em direcções diferentes.
Talvez seja por isso que conheço muitos tesos extremamente bem vestidos, e malta com carrões a perguntar na oficina quanto custa recauchutar-lhes os pneus.
Vamos-nos abstrair da inflação para este exercício simples.
Quem me conhece sabe o valor que dou a rotinas. Rotinas garantem produtividade, segurança, fiabilidade, previsibilidade, rentabilidade, e mais não sei quantas “dades” que não me estou a lembrar agora. :)
Rastreando passivamente um índice global, através de um ETF.