A ansiedade da compra
Uma das minhas muitas falhas quando mais novo era “a ansiedade da compra”.
Quando queria comprar algo não ponderava a despesa: a real necessidade/utilidade, as alternativas, os custos escondidos, o custo real da aquisição (o custo de oportunidade de não investir aquela verba noutro lado). Não conhecia a lente do tempo.
O meu cérebro começava a tecer justificações inteligentes para comprar, e para comprar imediatamente. Bom, na altura pareciam inteligentes. Por exemplo:
“Preciso mesmo disto. Sou desprendido, não tenho vícios, não costumo gastar dinheiro à-toa, se sinto um instinto em comprar, é meu subconsciente a dizer-me que isto vai melhorar a minha vida, de alguma forma”;
“É escusado regatear mais. Se não comprar a este preço, outro vai comprar. Mais vale um pássaro (mais caro) na mão, do que dois (mais baratos) a voar”;
“Isto é uma campanha ou promoção limitada, se não aproveitar agora vai demorar muito tempo até poder comprar a um preço assim tão baixo“;
“Não é uma simples compra por prazer, isto é um investimento, vai transformar-me e fazer-me crescer”.
Este comportamento não partia da falta de exemplo dos meus pais, antes pelo contrário: tirava-me do sério como conversavam sobre uma possível aquisição, às vezes durante semanas, meses, até anos.
“Mas porque raio não fecham o negócio, se andam há tanto tempo a matutar no assunto? Que paciência, estão à espera de quê?”
Em minha defesa, impedindo-me de fazer asneiras maiores e mais frequentes, apenas a personalidade normalmente desapegada a bens materiais, e a falta de recursos financeiros, (outra enorme prova de sabedoria dos meus pais).
Um exemplo simples: não ligo a automóveis. Nunca liguei. Para mim um carro é um martelo, leva-me do ponto A ao ponto B, nada mais.. Até ao dia em que fui trabalhar para Lisboa e quis comprar um Audi A3 Sport TDI. Nesse momento eu passei a ter que possuir aquele carro. Não podia ser outro, tinha que ser aquele carro. Por todas as justificações “inteligentes” para adquirir aquele carro, por exemplo, os 3000Kms mensais que passei a fazer, de forma “segura”. Não tinha dinheiro para um novo, comprei usado. Tive dificuldades em obter um crédito, resolvi-as. Paguei prestações estúpidas durante anos. Era o preço a pagar pelo sonho. Eu tinha que ter aquele carro.
Aconteceu com aquela guitarra Washburn N1 “igual” à do Nuno Bettencourt, aquele relógio de pulso Certina, aquele portátil Apple PowerBook G3, aquela… namorada.
Quando queria algo, o universo que se ajustasse, tinha que acontecer. E acontecia! :)
Só que vistas com suficiente distância, nuns casos mais tempo, noutros menos, todas essas compras absolutamente imprescindíveis, e que de alguma forma iriam mudar a minha vida, se mostraram... fúteis.
Um Audi A3 com meio milhão de Kms, o motor rectificado e a babar óleo já não tem o mesmo appeal.
A Washburn N1 não tocava sozinha, nem trazia o Nuno Bettencourt para disfarçar a minha falta de jeito e empenho nos ensaios da banda.
O Certina marcava as horas tão bem quanto qualquer outro, e o dinheiro que custou, investido no sítio certo, equivaleria hoje em dia a cerca de 26.000€.
E a namorada, bom, é melhor não falarmos do custo de oportunidade de uma namorada bonita a quem um rapazote quer impressionar. Felizmente soube encontrar uma mulher a sério.. ou se calhar foi ela que me encontrou a mim. As opiniões divergem! ;)
Como lidar com a ansiedade da compra
“O tempo é o melhor conselheiro”, diz a sabedoria popular.
O tempo que sabe transformar o indispensável no descartável. O urgente no irrelevante. O jovem, fresco e bonito no velho, usado e coçado.
O tempo ensinou-me que posso usar o tempo para mitigar a ansiedade da compra, controlar facetas da minha personalidade, e ganhar dinheiro com isso.
Eis, portanto, cinco formas que aprendi a usar para mitigar a ansiedade da compra, e que quero partilhar convosco:
1. A adopção de filosofias
Tipicamente não perco tempo a pensar se devo ou não comprar determinado bem, ou serviço, porque a minha filosofia minimalista obriga à comprovação de valor efectivo para mim e para a minha família, e a minha filosofia de investimento diz-me o valor real das coisas, o seu custo de oportunidade.
Portanto, tipicamente hoje em dia nem me chego a debater com questões como se “é bonito”, se “é confortável”, se “pode ser útil”, ou se “tenho dinheiro“.
Excepto se efectivamente necessite, ou esteja na minha lista de desejos. ;)
2. Analisar o aspecto e valor dos bens, no futuro
Se a hipotética compra passou o crivo das filosofias, (efectivamente necessito ou está na minha lista de desejos), o passo seguinte é ver o aspecto dos bens, no futuro.
A vontade de comprar é diferente quando a moda, o charme e o cheiro a novo já se foram, e as coisas mostram as marcas do tempo.
O automóvel tem um design apelativo? Experimenta pesquisar no Standvirtual pela mesma marca e modelo com 10 ou 15 anos e vê se sentes o mesmo. O sentimento que tens agora ao olhar para os modelos antigos é o que terás daqui a algum tempo, quando vires modelos novos a circular na estrada e olhares para o automóvel que compraste. Ainda te apetece comprar? Esse modelo? Por esse preço?
O sofá Chateau d’Ax parece em pele de qualidade? Vai ao OLX e vê que aspecto tem, depois de coçado por rabos e crianças aos pulos durante 10 anos. Ainda te apetece comprar? Esse modelo? Por esse preço?
Quanto vale esse gadget ou electrodoméstico, ao fim de algum tempo? Vale mesmo a pena a diferença de preço para outras alternativas mais baratas?
3. Procurar oportunidades
O crivo filosófico no ponto 1, acima, torna-me impermeável a campanhas, promoções, etc… despoletadas pelo vendedor: compro quando necessito e quero, e não quando o vendedor me aborda e “diz” que está barato.
O que é completamente diferente de ser eu a procurar campanhas ou promoções. Um exemplo:
Quando remodelámos o apartamento onde agora moramos visitámos alguns distribuidores de materiais de construção, para escolhermos revestimentos cerâmicos. A conversa tipicamente começava por: “Têm por aí algumas caixas de revestimento cerâmico descontinuado, que queiram despachar?”. Chegámos a ver opções a 20% do preço de cerâmicos novos.
4. Ponderar opções, da mais barata para a mais cara
Se me deparar com uma opção “melhor e mais cara”, vou usá-la como ponto de comparação e depreciação para todas as opções “piores e mais baratas seguintes”.
Infelizmente é assim que o nosso cérebro funciona, pelo que aprendi a defendê-lo desse viés cognitivo1. Eis outro exemplo de quando remodelámos o apartamento onde agora moramos:
Fomos ver acessórios para casas de banho, torneiras, pratos de duche, etc…, e o distribuidor tinha no showroom uns 30 modelos, de fabricantes diferentes.
Disse ao funcionário: “Mostre-me torneiras, pratos de duche, suportes de toalhas, etc… com ângulos pronunciados, (pareciam-nos mais “modernos” que os modelos arredondados), do mesmo conjunto, começando do mais barato para o mais caro.”
Para cada conjunto que nos mostrava, ou o excluíamos por algum motivo em particular, (estética, funcionalidade, qualidade do acabamento, garantia após-venda), ou, não excluindo, eu perguntava, “E o modelo um pouco mais caro a seguir a este, o que tem que este não tenha?”.
Quando, na nossa opinião, a resposta a essa pergunta não justificou a diferença de preço, o conjunto estava escolhido. Escolhemos o 4º conjunto mais barato, dos cerca de 30 que estavam em exposição.
5. Abandonar carrinhos de compras
Gosto de “abandonar” carrinhos de compras durante alguns dias, e receber descontos via email remarketing. É uma espécie de gratificação psicológica pela minha paciência.
E, como já vos disse várias vezes:
O tempo e a psicologia são os factores mais decisivos no investimento.
Lembram-se das fitas invisíveis da Magic Elek, na semana passada? Ficaram 48 horas no carrinho e… ;)
Resumo
Se questionarmos que coisas realmente adicionam valor, se usarmos estratégias para comprarmos menos e comprarmos melhor, se estendermos a vida útil do que compramos, se vivermos de forma mais minimalista, conseguimos criar espaço para os aspectos mais importantes da vida: saúde, relações, paixão, crescimento e contribuição.
E, benefício adicional, temos mais recursos disponíveis para investir.
E vocês, que estratégias usam para lidar com a ansiedade da compra?
Pesquisem por “marketing framing effect” na Web.